Artigos | Postado no dia: 10 abril, 2025
Desvio e acúmulo de função: como o trabalhador pode reclamar?

No cotidiano das relações de trabalho, é comum que funções se transformem ou se acumulem com o tempo, especialmente em empresas dinâmicas ou em momentos de reestruturação.
No entanto, é preciso atenção: quando essas mudanças ocorrem sem a devida formalização ou compensação, podem caracterizar desvio de função ou acúmulo de função — situações que têm consequências jurídicas tanto para o trabalhador, quanto para o empregador.
Este artigo apresenta, de forma clara e equilibrada:
- O que são desvio e acúmulo de função
- Como esses conceitos são interpretados pela legislação e jurisprudência
- Quais os cuidados que trabalhadores e empregadores devem tomar
- Quais são os direitos trabalhistas e deveres do empregador em cada caso
- E como resolver o problema, seja por vias administrativas ou judiciais
O que é desvio de Função?
O desvio de função ocorre quando o empregado, sem qualquer alteração formal em seu contrato de trabalho, passa a exercer atribuições próprias de outro cargo, ou seja, é desviado da função para a qual foi originalmente contratado. Esse desvio normalmente envolve tarefas que exigem maior qualificação técnica, responsabilidade ou complexidade, sem que haja a correspondente mudança no cargo nem ajuste salarial. Trata-se, portanto, de uma substituição de função, que configura violação contratual e enseja o direito à equiparação salarial ou reparação correspondente.
Exemplo: O funcionário foi contratado como auxiliar de produção, responsável por tarefas simples, como organização de peças e abastecimento da linha. Com o tempo, passou a operar máquinas industriais, atividade típica de operador de máquinas, que exige maior qualificação e responsabilidade, além de ter direito a uma remuneração maior.
Por que é desvio?
Porque ele passou a exercer funções de outro cargo, sem mudança contratual ou reajuste salarial, caracterizando o deslocamento funcional indevido.
O que é Acúmulo de Função?
O acúmulo de função, por sua vez, ocorre quando o trabalhador mantém as atribuições originais do seu cargo, mas passa a exercer funções adicionais, não previstas inicialmente em seu contrato de trabalho.
Ou seja, além de suas tarefas regulares, o empregado acumula novas atividades, pertencentes a outros cargos, sem receber contraprestação adicional.
Ao contrário do desvio, aqui não há mudança de função, mas sim o acréscimo de atribuições alheias, o que, igualmente, configura descumprimento contratual por parte do empregador, ensejando o pagamento de adicional por acúmulo.
Exemplo: O funcionário é auxiliar de almoxarifado, mas, além de suas tarefas originais, passou a dirigir veículos da empresa e fazer entregas, funções de motorista, sem qualquer adicional salarial.
Por que é acúmulo?
Porque ele mantém sua função original, mas acumula atribuições de outro cargo, sem a devida compensação financeira.
O que diz a legislação?
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não trata expressamente do desvio de função ou acúmulo de função. No entanto, o tema é amplamente discutido na jurisprudência trabalhista, com base em princípios como:
- Princípio da boa-fé contratual
- Função social do contrato de trabalho
- Vedação ao enriquecimento ilícito do empregador
- Equidade na contraprestação de serviços
Posição da Justiça do Trabalho
A Justiça do Trabalho tem reconhecido, com frequência, o direito à:
- Diferença salarial, quando há desvio de função comprovado;
- Adicional de função, quando há acúmulo comprovado;
- Reclassificação salarial, em casos de desempenho de cargo superior;
- Reflexos em férias, 13º, FGTS, INSS e demais verbas, quando não pagas corretamente;
Essas decisões reforçam a necessidade de um contrato de trabalho claro, com descrição de cargo detalhada e atualização por meio de aditivo contratual quando necessário.
Orientações para o trabalhador
- Identifique as mudanças
Anote quais tarefas extras ou funções acumuladas você tem executado além daquelas previstas no seu contrato de trabalho.
- Reúna provas
- Contrato de trabalho original com descrição de cargo
- E-mails com ordens de serviço
- Escalas, relatórios, atividades delegadas
- Testemunhos de colegas
- Converse com seu gestor ou RH
Um diálogo direto pode levar à reclassificação salarial ou pagamento de adicional de função, preservando seus direitos trabalhistas.
- Consulte um advogado trabalhista
Esse profissional poderá avaliar a situação e orientar sobre a viabilidade de uma reclamação trabalhista, especialmente se os deveres do empregador estiverem sendo violados.
Orientações para o empregador
- Defina bem as funções
Ao contratar, utilize uma descrição de cargo clara e objetiva. Isso reduz riscos de desvio de função ou acúmulo de função.
- Formalize alterações
Mudanças de função devem ser feitas mediante aditivo contratual e, quando cabível, com reclassificação salarial ou concessão de adicional de função.
- Verifique a convenção coletiva
Muitas categorias possuem normas sobre funções acumuladas, tarefas extras e diferença salarial. É fundamental conhecer os limites estabelecidos pela convenção coletiva.
- Valorize a gestão de pessoas
Evitar passivos trabalhistas começa com uma boa política de gestão de pessoas, que respeite o equilíbrio contratual e os direitos trabalhistas.
Como resolver o problema?
– Via administrativa
A solução interna, com ajuste no contrato, aditivo contratual e diferença salarial proporcional, é sempre a forma mais rápida e menos onerosa.
– Via judicial
Se não houver acordo, o trabalhador pode ingressar com uma reclamação trabalhista. O prazo é de 2 anos após o fim do contrato, podendo pleitear os últimos 5 anos de diferença salarial, adicional de função e reclassificação salarial.
Conclusão
O desvio de função e o acúmulo de função são situações recorrentes que exigem atenção às regras do contrato de trabalho, à descrição de cargo e à convenção coletiva da categoria. Ignorar essas práticas pode levar a graves passivos trabalhistas, além de afetar diretamente o clima organizacional e a gestão de pessoas.
Para o trabalhador, é fundamental conhecer e proteger seus direitos trabalhistas. Para o empregador, o foco deve ser cumprir seus deveres legais, garantindo equilíbrio contratual, evitando ações como reclamação trabalhista e mantendo a empresa em conformidade com a legislação.
A relação trabalhista saudável começa com respeito, clareza e comprometimento com a legalidade — seja nas funções desempenhadas, na remuneração oferecida ou na valorização da equipe.
Esclarecemos que o conteúdo deste artigo possui natureza informativa e não substitui a orientação de advogado tecnicamente habilitado.